“Eu venho da floresta…Com meu cantar de amor… Eu canto com alegria… A minha mãe que me mandou” Mestre Irineu

Aspectos estruturais dos hinos da doutrina do SANTO DAIME

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Resumo: O objetivo do presente texto é fazer uma análise das estruturas musicais dos hinos do santo daime de uma forma ampla e geral,(deixando para outra oportunidade o estudo verticalizado,do hinário completo) tendo como referência os “hinos Novos” do hinário o Cruzeiro de Raimundo Irineu Serra conhecido como mestre Irineu fundador da doutrina.

Como membro ativo da doutrina do santo daime, e músico por profissão tenho notado que a maioria dos trabalhos científicos que utilizam a doutrina do santo daime como material de pesquisa, buscam uma compreensão de fatores históricos, sociais, antopológicos lingüísticos entre outros, deixando a mercê o lado científico da música. Esse trabalho nasce com o intuito de esclarecer alguns aspectos musicais recorrentes nos hinos da doutrina do santo daime podendo se tornar mais amplo num porvir.

No início da doutrina não haviam os hinos e sim “os chamados que eram assoviados,ou solfejados” (Mendes, apud Neto,2003), entoadas com o intuito de passar os ensinamentos, com o passar do tempo os chamados deram lugar aos hinos que passaram a exercer essa função. Os primeiros hinos recebidos pelo mestre Irineu, e seus primeiros seguidores eram executados apenas na voz, após algum tempo que a doutrina já estava com uma forma de trabalho estabelecida, e algumas características definidas, houve a introdução dos instrumentos musicais. Dentre os primeiros instrumentos a serem utilizados na doutrina e que ainda hoje são recorrentes estão: o maracá, o violão, cavaquinho, a flauta entre outros.

É do conhecimento dos fardados² que a doutrina do santo daime é praticamente voltada aos ensinamentos contidos nos textos dos hinos, que são cantados e tocados por instrumentos melódicos e ou harmônicos, e bailados (cantado, tocado e dançado simultaneamente), em trabalhos específicos.Devido ao fato da doutrina ser de uma cultura oral , é quase que inexistente uma documentação específica indicando a maneira exata da execução dos hinos, o que se vê nos dias atuais são edições dos hinários, onde os músicos de cada igreja estruturam o formato musical,(partitura, tablatura, cifras, notações próprias) de acordo com o conhecimento teórico individual e que atenda as necessidades específicas de cada região do país e/ou igreja³.

Na doutrina do santo daime os hinos são tidos como um importante e precioso ensinamento e material de trabalho, estes por sua vez são recebidos através de uma inspiração do astral superior por seus membros fardados, semelhante a psicografia do espiritismo, onde este fardado tem o papel de transcrever a mensagem, apresentar na reunião, e na maioria das vezes musicar a letra. Quando o a pessoa recebe o hino e não tem conhecimento musical para a estruturar, essa pessoa apresenta o hino e depois um músico aprende a melodia e faz parte musical do hino.

Aspectos recorrentes nos Hinos Novos de Irineu Serra

Nesse momento irei enumerar os aspectos recorrentes no conjunto de hinos denominados Hinos Novos do Mestre Irineu, esse conjunto de hinos é a parte final do hinário “o cruzeiro” e é considerado como um dos principais da doutrina, contém a essência dos ensinamentos da doutrina, este por sua vez é composto de quatorze hinos, sendo que um deles a marchinha nº127 é instrumental, (não contém letra) segundo (Mendes apud Neto 2003,p.53),”…ele tinha palavras, só que ele (Irineu) guardou para si e apresentou só a parte musical) este pode ser considerado uma particularidade pois em nenhum outro hinário possui hino instrumental, e desde então esse hino é executado apenas pelos instrumentos, no caso de não haver músicos na sessão pode ser cantado boca chiusa, ou as vezes não se executa.

Forma e estilo

A execução dos hinos nos trabalhos do santo daime, é bastante semelhante na maioria das igrejas e segue um padrão que consiste em:Um instrumento executa a primeira estrofe ou o verso completo do hino para demonstrar como é a melodia do canto,canta se a letra e ao final executa- se o solo melodia correspondente a última estrofe.

No conjunto dos hinos novos podemos destacar a valsa (três hinos) e a marcha( onze hinos), como estilo presente nesse conjunto de hinos, a forma dos hinos são:AABB, vale a pena ressaltar que o hino flor das Águas nº126 e marchinha nº127 não entram nessa classificação, sendo que o primeiro é ABB, e o segundo composto de apenas uma parte sendo repetido três vezes a mesma melodia, correspondente a introdução, desenvolvimento, e solo final.

Vale a pena ressaltar alguns aspectos relevantes sobre a marcha e a valsa, é sabido que temos várias classificações para marcha tais como: marcha- rancho, marcha- fúnebre marcha – militar entre outras, podemos considerar que os hinos que são marchas se aproximam na maioria das como marcha militar onde o andamento em média 120 batidas por minuto. A valsa é originária da Alemanha e da Aústria é executada sempre em compasso ternário podendo ser executada entre 120 à 160 batidas por minuto. Irei me ater apenas a esses aspectos deixando assim para outra oportunidade os hinos mistos e também as mazurcas, sendo que estas últimas estão presentes apenas em hinários que não são referências deste estudo, tais como: Vóis sois baliza, O amor divino, entre outros.

Aspecto melódico

No início dos hinos temos os seguintes intervalos melódicos: uníssono dois hinos, terça maior dois hinos, terça menor quatro hinos, quarta justa seis hinos. As terminações são: uníssono um hino, segunda menor três hinos, segunda maior cinco hinos, terça menor um hino, terça maior três hinos, quinta justa um hino.Temos mais uma particularidade do hino marchinha, a extensão melódica ultrapassa a oitava o que não ocorre em nenhum outro hino. Importante notar sobre as tonalidades recorrentes, estas intimamente ligadas ao grupo e depende na maioria das vezes de adequações relacionadas ao batalhão feminino e masculino, normalmente a extensão entre o mi 2 e mi 4 é a região mais praticada para que atenda os dois batalhões, lembrando que sempre os hinos são cantados em uníssono.

Ictus inicial e aspecto rítmico

Para o aspecto do ictus inicial temos:anacruse oito hinos, tético quatro hinos, acéfalo dois hinos. Vale a pena destacar a particularidade de cada uma das valsas, com relação ao início da melodia, Dou Viva a Deus nas Alturas a melodia inicia no terceiro tempo hino nº117, Esta Força a melodia inicia no segundo tempo hino nº121, Eu Andei na Casa Santa a melodia inicia no primeiro tempo. Tais particularidades mencionadas na maioria das vezes, quando não se tem uma noção de conhecimento musical pelo fardado gera uma confusão com relação a entrada do maracá pois este é utilizado para marcar o andamento do hino e no caso da valsa é tocado um para baixo que é o tempo um,e dois para cima referentes aos tempos dois e três. De uma forma geral o maracá é utilizado para acompanhar a voz e o solo final dos hinos quando executado pelos instrumentos, marcando sempre o andamento, no contexto dos hinos novos temos o ritmo de semínima equivalente para uma batida do maracá, e duas colcheias para uma batida também do maracá e mínima ou mínima pontuada para duas e três batidas do maracá, levando em consideração o compasso quaternário em ambos os casos.

Aspecto harmônico

A harmonia pratica é tonal, podemos observar a recorrência da seguinte progressão presente na maioria dos hinos: Tônica, sub- dominante, dominante, tônica, em alguns casos temos a substituição da tônica por sua relativa, a dominante por pelo sétimo grau diminuto com função de dominante, e também alternância dos baixos, nesse caso quando a nota da melodia é a terça ou quinta do acorde de dominante para a resolução na tônica.

Conclusão

Com o intuito de pensar nas questões teóricas implícitas nos Hinos Novos do mestre Irineu é que se chega ao fim deste texto, com um vasto material a ser analisado e divulgado aos irmãos da doutrina e até os que não o são, acredito ter dado um pontapé para esta abordagem e aproveitando a ocasião gostaria de explicitar que esse estudo merece mais tempo para se ter uma compreensão ainda mais abrangente sobre os aspectos musicais da doutrina.

Acreditamos que apontamentos sobre a cultura oral, o hibridismo, o contexto social e outros fatores tem importância relevante para a compreensão de aspectos musicais, e que este trabalho só se tornará completo quando assim o fizer, mas por um desejo maior de iniciar o estudo na vertente musical é que foram abordados os aspectos acima citados.
Esperando ter tido uma contribuição acerca de tal tema, e desejando um ótimo estudo a todos é que arremato estas linhas.

“estudo fino, estudo fino
que é preciso compreender
para ser bom professor
apresentar o seu saber…”

Mestre Irineu hino nº102 Sou filho desta verdade

Glossário: 1-Hinário; conjunto de hinos cantados nos trabalhos de santo daime.
2-Fardado; pessoa que utiliza uma vestimenta específica durante o trabalho, esta por sua vez tem um compromisso durante o trabalho tais como: cantar os hinário, servir o daime, prestar assistência aos visitantes, entre outras funções.
3-Igreja ou região; levando em consideração a diversidade climática, o contingente dos batalhões masculino e feminino, a maioria dos músicos das igrejas fazem adaptações das tonalidades dos hinos para que estes sejam praticáveis com uma certa comodidades para ambas as vozes masculinas e femininas.

Referências bibliográficas: Neto, Florestan J. Maia. Contos da lua branca vol 1 Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2003.

Sobre o Autor: Claudio Fernandes de Castro licenciando em música pela Universidade Federal de Goiás, fardado na doutrina do santo daime. Contato cfcastro_1@hotmail.com

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